Archive | June, 2016

O ÚLTIMO CUPCAKE PARA O BISAVÔ

23 Jun

Londres, 23 de junho de 2016

Chove fininho lá fora,  a paisagem da janela, tão triste e bucólica, faz eco aqui dentro nós. Meus pensamentos viajam pelo tempo e me levam para uma cidade chamada Limeira, no interior de São Paulo, onde viveu por toda a vida um dos bisavós queridos da nossa Valentina, o Bibi Careca, como o chamávamos amorosamente desde que nossa filhinha nasceu.

Eu o conheço há 14 anos, meu marido teve o privilégio de conviver com seu avô por 40, e Valentina por 4. Seu Hermindo, como a maioria o chamava, trabalhou a maior parte da vida no IBGE, e nos últimos anos, articulado como sempre foi, escrevia belos textos sobre política, e nos brindava com seu olhar crítico e inteligência. Tão bom com as palavras, tinha lá dentro dele, um dom de jornalista e escritor.

Sempre fomos recebidos em sua casa com um abraço apertado e um coração cheio de carinho. Ele adorava lembrar que o Daniel é o neto mais velho e vivia contando as histórias familiares, como se pudesse reviver, através das palavras, os tempos de alegria com os netos pequenininhos. As manhãs de domingo eram reservadas para a família, manhãs regadas a vinho, queijos, cafés e boas conversas. Nós não tínhamos dia nem hora certa para aparecer, mas não importava quando íamos, eles sempre estavam de braços abertos e sempre saíamos de lá  reconfortados com tanta coisa boa que emanava daqueles corações.

Me lembro o dia que fomos apresentar a Valentina, quando ela tinha pouco mais de 2 meses, Bibi Careca e Bibi Santa se vestiram quase como se fossem a um casamento, era dia de festa eles nos disseram, meus olhos se encheram de lágrimas. São nos pequenos gestos que nos oferecem, que reconhecemos a grandeza do amor, Bibi Careca sempre nos ofereceu seu melhor.

Ontem Valentina passou a tarde preparando cupcakes para comemorar os 90 anos do bisavô, mandaríamos as fotos para mostrarem para ele hoje no hospital, não deu tempo. Ontem a noite ele nos deixou, na véspera de completar seus 90 anos.  Nosso Bibi Careca deixa a esposa Santina, 4 filhos, 9 netos e 4 bisnetos, entre eles nossa Valentina. O bisnetinho mais novo, pequeno Matteo, ele não chegou a conhecer, infelizmente.

Hoje Valentina me viu chorar e precisei explicar para ela,  pela primeira vez, que perdemos alguém que amamos, mas que o importante é saber que ele está bem, porque agora Bibi Careca virou uma estrela brilhante lá no céu, e toda vez que olharmos para cima, numa noite estrelada, saberemos que ele está lá, em algum lugar dessa imensidão, olhando por nós.

Que Papai do Céu o receba de braços abertos querido Bibi.

Obrigada por tudo, te amaremos para sempre!

Bibis no nosso casamento

Bibis no nosso casamento

 

Valentina preparando cupcakes para o aniversário de 90 anos do Bibi

 

 

TE AMAMOS MUITO BIBI! HOJE OS ANJOS TOCAM ARPAS NAS PORTAS DO CÉU PARA TE RECEBER.

 

 

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MEDOS, MUITO ALÉM DE CROCODILOS

19 Jun

A frase “Eu tenho medos bobos e coragens absurdas” da Clarisse Lispector me define bem. Tenho coragem para muita coisa na vida, e pavor de algumas das coisas mais ridículas, especialmente quando se trata do mundo animal. Lagartixa,  mosquitos de todas as espécies, baratas (não precisa ser voadora), aranhas (é o que mais tem na cidade que moramos), a maioria dos animais peçonhentos, dos aracnídeos, tenho medo até daqueles patos gigantes se eles chegarem muito perto, fico achando que virão para cima de mim me bicar.

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Tentando acessar minhas mais remotas lembranças, desde que me entendo por gente sempre fui “bicho da cidade”, como diz meu marido. Nunca gostei de acampar, passei longe do grupo de escoteiros do colégio, nem na horta que minha avó tinha em casa eu gostava de entrar, tinha medo de apanhar morangos perto do muro e algum ratinho mais ligeiro me engolir, era meu pesadelo de infância.

Já adulta resolvi fazer mergulho, aquela época patética da vida que você arranja um namorado mais patético ainda e aí o cara faz alguma coisa “cool” e você acha que é legal também fazer para acompanhar.  Fiz o curso na piscina, comprei equipamento, fiz o batismo no mar, uns mergulhos em algumas partes bem legais do Brasil e meses depois, quando o namoro afundou, meu investimento de tempo e dinheiro naquele esporte lindo afundaram juntos.

Eu gostava de ver os peixes e as espécies marinhas com aquele colorido que você só encontra no fundo do mar, mas o pavor de encontrar uma moreia ou uma água viva pela frente era maior do que eu, mergulhava com medo de me machucar num ouriço ou de encontrar um tubarão….

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Em resumo, se não for cachorro e gato (alguns eu também tenho medo) ou da espécie “homo-sapiens” (fujo que nem diabo da cruz dos que parecem perigosos) eu tenho medo de praticamente quase tudo no mundo animal. Não sei quando foi que me tornei uma pessoa assim, mas sei que tem muita coisa nessa vida que me assusta bastante, mas não o suficiente para ter virado tema na análise, então  continuo caminhando normalmente como se essas quase “fobias” fossem normais.

O fato é que essa relação medrosa que eu tenho com parte do ecossistema muitas vezes interfere na forma com que  ensino minha filha a se relacionar com o mundo. Aqui na Inglaterra as crianças são incentivadas desde cedo a ter contato com a natureza. Duas vezes por semana Valentina vai para a “forest school” com os amiguinhos da escolinha, as professoras levam as crianças para a “floresta”, que na verdade é um parque, para terem contato com os bichinhos, insetos, plantas, aprenderem sobre o ciclo da vida, as cadeias alimentares etc… Valentina adora  a natureza, tem uma relação linda com as plantas, pega os bichinhos na mão e quando estamos nos aventurando em família meu marido a incentiva, e eu me seguro para não gritar: “Solta essa formiga, não chega perto desse bicho porque ele pica, machuca…”

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Vivo tentando equilibrar meus pavores mas percebo que o reflexo de tudo isso se reverte em excesso de cuidados. Recentemente fizemos uma viagem para a Espanha e fomos conhecer o parque principal da cidade que estávamos visitando, no meio do parque tinha uma lagoa linda com pequenos barcos a remo, as pessoas podiam alugá-los para fazer um passeio de meia a uma hora mais ou menos. Alugamos nosso barquinho mas antes de entrar nele já comecei a ficar apavorada:

– “E  se esse barco virar?” – eu perguntei. – “Não vira.”- respondeu meu marido. “Mas e se a Valentina levantar e nos desequilibrarmos?”- “Ela vai com colete, eu sei nadar, você sabe nadar…”. – “Mas e se tiver jacaré, e se tiver cobra, e se tiver qualquer outro bicho?”

– “Não tem nada disso, é só um lago no meio do Parque….” – meu marido respondeu.

Fiquei imóvel feito uma estátua durante todo o passeio, parada numa parte do barco tentando equilibrar o peso, quase sem respirar de medo. Daniel ria o tempo todo enquanto minha filha “valente Valentina”,  do alto dos seus 3 anos tentava remar o barquinho. Mas a grande questão da conversa é a frase do meu marido…. “Não tem nada disso, é só um lago no meio do Parque….” Quantas vezes subestimamos os “perigos” de nos cercam porque acreditamos ter tudo sob controle, qual a medida certa para deixarmos nossos filhos ter novas experiências com segurança?

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Essa semana quase tive um treco quando vi a notícia do menino que foi levado por um crocodilo na lagoa que margeia o complexo hoteleiro da Disney, na Flórida. Nem dormi direito durante aquela noite imaginando essa família perdendo seu filho numa tragédia absurda e “impensável” como essa. Cheguei a ler aqueles comentários estapafúrdios e monstruosos de que os pais tiveram culpa, tinham sido irresponsáveis pelo menino estar na beira da Lagoa etc… ainda que eles estivessem junto com a criança e que o pai tivesse tentado lutar contra o animal para salvar seu filho.

Vi vídeos na internet para entender como um crocodilo ataca, buscando compreender o incompreensível. Vi um vídeo de um crocodilo atacando um cachorro, o cão não está na água, mas nas margens do rio, ele chega de mansinho e dá uma espécie de bote, é uma questão de segundos  e o cachorro desaparece.  Eu quase entro em desespero  em pensar que isso possa ter acontecido com uma criança.

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Imagem Site Disney

Agora pensem comigo, por mais cuidadosa e medrosa que uma pessoa seja, assim como eu, quem em sã consciência vai imaginar uma cena como essa? Quem teria medo de deixar o filho colocar os pézinhos na água, estando ao lado dele? Fiz um exercício com meu marido, nós conhecemos os parques da Disney e essa Lagoa que atravessa o complexo Hoteleiro, nos perguntamos se deixaríamos nossa filhinha brincar com os pés na água e a resposta do meu marido foi: “SIM, DEIXARÍAMOS”.

Eu particularmente se estivesse sozinha com ela provavelmente não deixaria ela brincar na água, mas mais por medo de um buraco ou de outro bicho,  jamais pensaria que encontraria um crocodilo numa Lagoa dentro da Disney, ainda que a gente saiba que a Flórida é lotada deles. Mas se estivesse com meu marido, certamente me sentiria segura em deixar minha filha brincar na beira da lagoa.

Essa história serve de alerta a todos nós que gostamos de viajar, de nos aventurar com nossos filhos em nossas cidades, nossos países, ou pelo mundo: precisamos tentar sempre que possível pesquisar sobre nossos destinos, que tipo de “perigos” você pode encontrar em determinado lugar? De que forma podemos nos proteger em determinados passeios? Sem ser extremista, sem deixar de viver novas experiências, às vezes só o cuidado de passar um repelente, usar uma bota, não ficar na beira de uma lagoa ou não mergulhar em uma praia perigosa já seria o suficiente.

Cozumel - México

O que aconteceu na Disney foi uma tragédia que poderia ter sido evitada se houvesse indicação de crocodilos no local.  Existem lugares bem mais propícios a ataques de  determinados animais do que outros, a probabilidade de você se deparar com um  tubarão em águas australianas é bem maior do que em águas portuguesas, embora existam redes protetoras para evitar que tubarões cheguem nas praias da Austrália. Ser atacado por um crocodilo também é mais provável na Flórida, que calcula-se ter mais de 1 milhão de animais dessa espécie, do que na China por exemplo, que tem uma população muito pequena desse animal.

Mas também tem uma coisa que precisamos ter consciência, por mais apavorante e impactante que possa ser a história de mortes por tubarões, crocodilos, cobras, esses não são os animais que mais matam. O portal GOOD elaborou uma lista dos animais mais perigosos do mundo, com base num critério concreto: o número de mortes humanas causadas por ano. De acordo com essa lista, o animal mais perigoso do mundo é o mosquito Anopheles, responsável pela malária, que causa 725 mil mortes por ano.

Anopheles

Imagem: scientistsagainstmalaria.net

Em segundo lugar uma surpresa nada agradável: o segundo  animal que mata mais pessoas por ano no mundo é o Homem. Pois é… anualmente 475 mil pessoas são mortas por outras pessoas. Impressionante e triste, e nesse quesito o Brasil tem muitos “animais” perigosos, infelizmente.

O cachorro, o amável e melhor amigo do homem ocupa o 6º lugar da lista, com 40.000 mortes por ano, a maioria  devido à raiva. Recentemente uma grande amiga foi atacada por um cachorro, levou uma mordida enorme no pescoço, inúmeros pontos, internação e o alerta do médico: ela poderia ter morrido se a mordida tivesse atingido a aorta, teve muita sorte.

São essas histórias, que se  assemelham mais a um roteiro de filme de terror, que nos deixa de cabelos em pé: viver, mesmo que da maneira mais cuidadosa possível, é sempre uma aventura muito perigosa. Então o que nos resta é tentarmos proteger a nós e nossos pequenos e rezar, que estejamos de alguma forma protegidos nessas estradas da vida, e que os corações daqueles que perderam seus entes queridos em tragédias como a da Flórida, sejam confortados.

Veja a lista completa sobre os animais mais perigosos do mundo:

1. Mosquito Anopheles - 725.000
2. Homem - 475.000
3. Caracol de água doce - 110.000
4. Lombriga - 60.000
5. Serpente - 50.000
6. Cão - 40.000
7. Reduviidae - 12.000
8. Mosca Tsé-Tsé - 9.000
9. Ténia - 2.000
10. Crocodilo - 1.000
11. Hipopótamo - 500
12. Elefante - 100
13. Leão - 100
14. Lobo - 10
15. Tubarão - 10

Fonte: zap.aeiou.pt